domingo, 8 de janeiro de 2012

2025

Sábado, meio de maio. Supermercado cheio. Um corredor.

A criança chorava baixinho, avermelhando a pele clara. Sozinha, aproveitara a multidão e saiu passear, se perdendo. Não tinha cinco anos completos. Dela, só saía uma palavra, em tom de pergunta. 

"Papai?"

Um leve desespero tomou conta de suas pequenas mãos, que tremiam por dentro. O peito esquentou e a cabeça parecia mais leve. Estava ali sozinha, e quem sabe quando voltaria para casa? Se é que voltaria! Talvez nunca mais fosse encontrada, esquecida no canto por tantos adultos passando em volta sem percebê-la. Começou a se arrepender de ter ido para longe demais do carrinho, num sentido aventureiro mal fadado. Enquanto os sapatinhos davam pequenos passos trêmulos, a memória infantil foi ativada. Mas em vez de tentar lembrar o caminho à família, lembrou da família, apenas. Sorriu por dentro.

Ninguém sabe ao certo o que pensa uma criança. A natureza a obriga a guardar o que pensa e sente até que encontre forma de se expressar além de choro. Mas o coração bate como sempre, e sente o que qualquer adulto sente. E naquele momento, sentia falta. Queria voltar no tempo, para casa, onde sempre foi feliz. Dormir nos braços do pai, ser carregada até a cama e sentir cócegas da barba ao receber um beijo de boa noite. No nariz. Na testa, arranhava. Gostava de viajar, de passear no parque, chutar folhas e pedrinhas. Sentia saudades de casa, nem sabia quanto tempo havia passado longe de lá.  Tanto carinho recebeu, desde que chegou. E ali, numa fração de segundo, ela estava perdida. Andou demais, por que fez isso? Lembrou de almoços, da cama branca onde passou tantas noites, da harmonia que tinha em casa. De tudo o que aprendia, de tudo o que queria aprender. No meio das memórias, trechos das músicas que ouvia em casa, sem saber o que diziam, ou as que o pai tocava ou sempre entoava, e se acalmava. O peito parecia ter se acalmado e as lágrimas pendentes se dispersaram. Um toque.

Uma senhora o encostou nos ombros, e abaixou até o nível de seus grandes olhos negros.

- Você está perdido? Onde está a sua mãe?

A criança respirou fundo e formulou palavras.

- Eu tenho dois pais.

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