segunda-feira, 2 de maio de 2011

De saco cheio.

Parte II

Então, meu avô morreu. 1932-2008, faça as contas.

Não sou muito de velórios, até porque não há o que fazer. Costumo, então, ficar nos fundos, com o café de sempre. O qual eu mesmo fiz na ocasião, vale ressaltar.
Eu conversava sobre algo aleatório (fundamental pra acordar), quando a oração em grupo começou lá na Sala Um. Ouvi os ecos das repetições, mas fiquei na minha. Também não sou de rezar.


Eis que surgiu da tal Sala Um meu tio, acompanhado de uma elegante senhora de collant e chinelos azuis. Logo após largar seu saco de mistérios em cima do vovô, ela decidiu que era hora de petiscar. E cá estamos nós, no café.
O saco foi direto para o lixo; nunca se soube o que havia lá dentro. Ela comeu um biscoitinho, e mais um e outro pra casar, tomou adoçante com gotas de café e sentou-se em uma das cadeiras. Cadeira esta ao lado de uma tia.
E dá-lhe conversa de bêbada. "Eu já saí com muita gente conhecida dessa cidade." Nomes guardados eternamente em sigilo.


Já na madrugada, ela entrou no banheiro, pra se refrescar, o velório ainda em curso. Meia hora depois, onde está a Cida? "Ainda no banheiro, de certo."
Outra tia foi investigar. Antes de cruzar a porta e olhar pra dentro, já se sentia o cheiro da fumaça e o som da água escorrendo. A cena era terrível.
A reação, de escândalo e repulsa. A indigente estava sentada no chão, ensopada, fumando de pernas abertas, arejando a boceta. Cabelos caídos grudados nos ombros, visão grotesca e ofensiva.


Passado o choque, a tia deu pra trás, voltou e ficou quieta. Cida saiu do jeito que entrou, mais os cabelos grudados, bem a tempo para presenciar a entrada de três policiais, chamados durante o banho de torneira. "Vamos." "Não, eu 'tô aqui com os meus amigos!"
No fim de "amigos", ela usou suas mãos lustradas pra se agarrar nos braços da primeira pessoa que encontrasse. Minha mãe. As duas gritavam, uma de susto e outra de loucura. "Se alguém encostar em mim, eu arranco a roupa."
Como todo policial sabe, a chave pra uma situação dessas é única. Uma chave de braço no pescoço da infeliz, que largou minha mãe e largou mão de resistência.


No banco da viatura, partiu para a noite, sem dizer tchau ou pegar seu saquinho.

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